segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

entrar a cem e sair a duzentos à hora!

Gostei da expressão do Helder sobre a poluição que escorre na maioria das revistas. Aqui há dias numa alegre discussão sobre cinema com as minhas filhas e os filhos de uns amigos, constatei a dificuldade em perceberem certas vivências que a nossa geração usou (os círculos de cinema por exemplo). As vivências deles foram torpedeadas com tanta e tão rápida informação que não custa perceber o porquê de eles não entenderam porque precisámos de criar aqueles espaços para podermos ver (e dialogar) cinema a sério. Quando cheguei a casa escrevi estes versos e entreguei uma cópia a cada miúdo que participou na amena cavaqueira e, curiosamente, ficaram na mesma: continuaram sem entender. Deixo-vos aqui os ditos (os versos, claro):

CÍRCULOS DE CINEMA

Instalações exíguas onde cabia a máquina
De projectar de 8mm e um montão de prateleiras
Cheias de fitas excepcionais, desde o traquina
Chaplin aos consagrados que não filmavam asneiras
(Renoir, Resnais, Eisenstein, Wells, Bergman,) numa esquina
Qualquer, influenciando uma geração sem coleira
Que apelidaram (e amaldiçoaram) de esquerda
Com uma conotação estagnada, quase lerda.

Horas e horas sentados analisando planos,
Contraluzes irreais, ângulos impossíveis,
«Plongées» e «travelings» aproximando fulanos
Numa organização de movimentos imprevisíveis.

Formaram personalidades estes mestres,
Divertindo e engrandecendo partículas
Ínfimas de mentes quase silvestres
Que se recusavam a serem gotículas.

Permitiram que víssemos para além do individuo,
Que escutássemos atravessando o ruído,
Ensinaram a aproveitar o resíduo,
Mostraram como se decompõe o poder instituído
Remarcaram o afecto que se tornou assíduo
E recuperaram o que tínhamos de diminuído.
A melhor forma de lhes agradecer não é num poema,
É transmitir aos vindouros porque foram um noema.


Estoril, Fevereiro de 2007

kambuta

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