sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS

Helder, que o Natal seja bom e farto para que dure o ano inteiro. Um abraço.

sábado, 18 de dezembro de 2010

ZERO FOI SALVO - aleluia


Zero, na redacção, na prateleira dos "assuntos pendentes"????

Quando OPAÍS se instalou, no longínquo ano de 2008, na famosa Casa Amarela, em Talatona, Luanda, um gatinho rafeiro aparecia pelo quintal, ao cair da tarde, como quem vai à procura de alguma coisa. Gato de rua, treinado nas duras leis da sobrevivência urbana, o Zero farejava alguma forma de complementar a sua dieta diária de ratos, no jardim do jornal. Pouco a pouco, foi tendo honras de atenção humana, alguns jornalistas começaram a deixar-lhe comida, nas mais variadas formas, até alguém ter subido a parada na forma de um belo saco de afamada marca de ração para gatos.
Independente e, quem sabe, algo cauteloso na sua aproximação aos humanos, o Zero começou a entrar nas instalações do jornal quando já se tornara um lindo felino adolescente.
E por ali se fez adulto, sempre acarinhado pela maioria do pessoal. Alguns revezavam-se na nobre tarefa de levar a ração para o Zero. Ele sabia quem lhe queria bem e não suspeitava que havia quem lhe tivesse traçado sentença de morte. A tudo o Zero sobreviveu.
O bicho tornou-se, desde os primeiros tempos de O PAÍS, vedeta nacional. Logo numa das primeiras edições, Luis Fernando dava honras de presença na última página do jornal.
O Zero ganhava, por direito e por inerência superior, uma figura pública a nível nacional e mais um de nós a nível da redacção. Não escrevia mas inspirava crónicas.
Luis Fernando, sempre pronto a colocar em letra de forma o que vê e o que sente, dedicou algumas prosas ao Zero e muitos de nós dedicamos-lhe atenção e carinho.
Mas a vida dá curvas e o jornal mudou-se para outras instalações. Luis Fernando, na sua inebriante prosa, publicou um sublime grito de alerta, manifestando a sua preocupação sobre o futuro da instituição felina.
E escreveu isto:


A FECHAR



E agora Zero?


A menos que alguém se dê ao trabalho de provar o contrário, o Zero é o gato mais famoso de Angola.


É, tanto quanto sabemos, o único de quem se tem notícias de jornal, volta e meia.


Continua a viver em Talatona por não ser bichano que se adapte ao caos do centro de Luanda, onde ainda por cima abundam os gatos vira-latas e sem pedigree. Mas esta semana o nosso Zero viu-se confrontado com uma crise existencial que está a atormentar consciências e a dificultar decisões: a Casa Amarela, seu mundo de felicidade há quase três anos, ficou vazia.


Nada mais e nada menos que uma mudança de todo o colectivo de profissionais que desde Maio de 2008 dá vida à sede do jornal O PAÍS, para novas instalações! Uma soberba notícia para jornalistas, repórteres fotográficos, designers e demais membros da equipa de trabalho que assim mudam de ares e se enchem de novas perspectivas, até porque o novo poiso lembra muito mais o espírito frenético do grande jornalismo, com gente entrando e saindo com as suas dispersas histórias de vida.


Para o Zero, porém, há tudo menos razões festivas. A ideia concretizada de trocar a Casa Amarela por um novo espaço como o que se tem agora arrisca-se a sepultar as melhores expectativas da mimada mascote da malta que sabe o que é correr atrás dos factos em sete apertados dias de uma semana.


A nova casa, segundo as avaliações preliminares dos primeiros dias, não está muito moldada para se ter um gato manhoso que se enrosca nas pernas dos editores à quinta-feira, o dia em que quase infalivelmente eles se esquecem da sua ração de sobrevivência.


A pergunta feita na primeira vez que os ex-inquilinos da Casa Amarela se juntaram no lugar que vai ter a obrigação de competir com a mística do velho berço do jornal, segunda-feira 6 de Dezembro de 2010, diz tudo: E agora Zero?


Em plena Redacção com tudo por estrear, incluindo o súbito desafio de se passar sem as travessuras do quadrúpede sete vidas, aquela pergunta soou a um alarme com a cor cinzenta das desistências bruscas. Percebeu-se que pode ter findado o parentesco levado até ao limite do entendimento e da tolerância entre os jornalistas e o felino durante exactos dois anos e meio, não por quebras de afecto ou como resultado das frequentes ingratidões da raça dos humanos, mas objectivamente pelos apertos logísticos do novo tecto.


O caso é sério e não se resolve com o sorriso de indiferença que irrompe de dentro, quase sempre, quando o futuro do Zero é posto sobre a mesa. Se fosse uma galinha, a resposta estava dada: cabidela e assunto encerrado!


Mas é de um gato com estatuto de mascote, ganho por mérito e valentia, que se fala. Um exemplar que faria qualquer associação de defesa dos direitos dos animais pensar na justeza de um prémio para as gentes da Casa Amarela: zero maus-tratos e zero faltas de carinho e atenção a um nobre gato, excepto apenas nas tais quintas-feiras de desassossego em que o jornal vai para a gráfica, de resto um dia em que os jornalistas não estão para ninguém a não ser para o dever indeclinável de serem profissionais a toda linha.


Quase tão importante para a equipa de O PAÍS garantir a produção dos primeiros números num novo cenário, com os tormentos da inadaptação próprios dos tempos de começo, será a descoberta de uma solução de compromisso para o bicudo caso do gato que perdeu a viagem para uma nova centralidade onde os arranhões e os miares não se sabe, ao certo, que tipo de tolerância terão.


Talvez seja hora de um patrocinador de vidas de felinos em desespero, como os há para as beldades de bairro ou os cantores de repentinos estrelados, manifestar-se apto e determinado a assumir o repto. Para que a saga do Zero siga por diante, em útil e perfeita consonância com a fama que lhes atribuem os saberes de antanho, de poderem viver 7 invejáveis vidas.


Luís Fernando


10 de Dezembro de 2010

Fiquei alarmado. Eu, que convivi longas horas de trabalho naquele jornal com o Zero sobre a minha secretária, temi pela sobrevivência do bicho. E escrevi, de imediato ao Luis Fernando, o que segue:


Luis,



por favor,

ninguém mais do que tu que tanto tem glorificado, com carinho e razão, o nosso
bem adoptado ZERO, vedeta de tantas crónicas bem aviadas pela tua ágil pena,
poderá dar um caminho certo ao nosso felino ...tão respeitado e acarinhado por toda a redacção...
o Zero tornou-se,
mais por mérito próprio do que por uma qualquer influência vinda das profundezas de um telefonema , uma referência na sociedade luandense, graças às tuas linhas sempre tão acertadamente ataviadas daquele linguajar colorido e certeiro que encanta ...
o Zero é uma instituição nacional, viveu e cresceu na nascença e no crescimento de uma força nacional que o é graças a ti...
....seria impróprio de gente boa como a que faz O PAÍS, mudar de ares e de poiso, levando tudo - telefones, computadores, cadeiras, mesas, papel e papéis, carros e agrafadores, menos o símbolo de uma forma de estar e de ser, prefigurada no nosso amado ZERO.....

Isto foi, no essencial o que escrevi ao escritor-director do jornal ao que Luis Fernando me respondeu pouco depois, concordando com o meu apelo.

Quase em simultâneo, o Luis Faria, editor de Economia e também um dos patrocinadores da existência da Zero na redacção, escrevia esta belissima peça de jornalismo:






Tudo é eterno enquanto dura. Há medida

que o tempo corre, que passa por nós ou

que nós passamos por ele, essa noção de

eternidade torna-se cada vez mais frágil.

A verdadeira eternidade, a que gostaríamos

que repercutisse ao infinito os momentos que

queremos intermináveis, ou que se fi xasse numa

suspensão do tempo, seria, segundo Borges, uma

chatice. Não sei se Os Imortais, esse conto notável

que procura demonstrar que a imortalidade redundaria

num voluntário embrutecimento, já que

qualquer acontecimento seria apenas a repetição

de um outro que já teria ocorrido num momento

qualquer do passado, o que se tornaria insuportável,

é apenas mais uma ficção “trapaceira” de Borges.

Mas a finitude é isso: um espelho que não mais nos

reflectirá, um livro que repousará “eterno” na nossa

estante e que jamais leremos, uma esquina que não

voltaremos a dobrar.



Simone de Beauvoir inventou uma artimanha semelhante

para ludibriar os nossos limites ao afirmar que não

lhe interessaria sobreviver a tudo quanto tivesse amado.

A eternidade tornar-se-ia um penoso alheamento

num mundo estranho. A ideia serviu, pelo menos, para

iludir os meus primeiros e juvenis temores face à nossa

natureza absolutamente provisória e precária. Beauvoir,

escritora e talvez uma das personalidades que mais se

bateu pela dignificação da mulher, quando o “feminismo”

pairava muito longe da moda e dos costumes, foi a

“eterna” companheira do filósofo que marcou o século



XX: Sartre, o homem que inverteu o postulado cartesiano

(“Penso logo Existo”) e sentenciou: Existo, logo

penso.

Mas deixemos a invocação erudita (detesto-a, mas

que hei-de fazer do raio das memórias?) e passemos a

coisas mais comezinhas. Um dia, ainda jovem, decidi

escrevinhar um glossário pessoal. Tanto quanto me lembra,

quando cheguei à letra Z clamei: “é preciso reabilitar



o Zero!”. É que eu, além de Luís sou Zé, tal como o do

famoso livro de Reich: “Escuta, Zé Ninguém!”.

Ora bem, tudo isto vem a propósito do Zero, o gato, o

pequeno, amarelado e doce felino adoptado pela Casa

Amarela, sede de O País até à última semana. Foi ali que

nasceu este jornal, numa residência simpática, afável,

doce, depois convenientemente adaptada para tentar

fazer caber lá o ofício e os seus artesãos. Até as fl ores

que a circundavam eram amarelas, prolongando, num

desmaio poético do olhar, as vigas de madeira que a

sustinham. Por isso o Zero só poderia ser amarelado.

Vagamente tigrado. Surgiu, ainda bebé, no momento

em que houve que intercalar a urgência de produzir a

primeira edição de O País com o teste de um número

zero. A coincidência fez com que o baptizasse de pronto:

és o Zero!



E tornou-se, como o já descreveu, com arte de

escritor, Luís Fernando, um companheiro para a

redacção de O País. Uma figura. Os gatos, observa

Cesariny, olham sobranceiros, das suas janelas e dos

seus telhados, para a burguesia. O Zero mirava-nos

com cumplicidade, não abdicando da sua irredutível

independência felina. Com maior ou menor dedicação

revelada ou desvelada, no íntimo das almas que fazem

este jornal, o Zero era estimado. Por vezes secretamente.

A ração do bicho, quantas vezes adiada pelas nossas

urgências, compromissos, distracções e egoísmos,

lá acabava por aparecer, meio desconchavada, meio

espalhada, na cozinha. O Zero concitava protestos e

alergias mas, altaneiro, apenas conhecia uma moeda de

troca: a do afecto.



Afecto. Algum que não figura nos tratados e modelos

da ciência económica. O Zero, na economia simples da

sua vida, não enfrenta problemas de subprime - para

ele a Casa Amarela não é um activo susceptível de

valorização especulativa, é apenas uma referência, um

local onde cultivava amizades, um último abrigo. Não

se debate com crises de sobre-endividamento. O único

crédito de que dispõe é a dedicação e o amor. Ignora os

ciclos económicos e os relatórios periódicos. Vive sem

prazo. Quando lhe falta comida caça (mais por instinto

brincalhão que por necessidade) e faz-se, sobretudo,

à vida. Uma vida poupada ao fastio contabilístico e

à complexidade econométrica. O Zero ajudou-me e

ensinou-me muito nas horas em que “stressava” com

as mesmices de sempre e já nem estou propriamente em

tempo de aprender…



O País mudou de instalações. Mudar, é o seu lema, é a

sua missão, o seu compromisso, a primeira linha do seu

estatuto. A Casa Amarela e o Zero ficam para trás, nos

recônditos recantos da memória, a nossa bagagem mais

consistente. E persistente. A verdade é que ainda não se

inventou o homem sem bagagem…Pois. Mas o que seria

de nós sem a arte do esquecimento? Voltando a Sartre e

num arrufo de timorata improvisação asseguro: o Zero

existe, logo é. Oxalá os novos inquilinos da Casa Amarela

sintam, por esta asserção, alguma empatia.



Como diz a letra de uma musiquinha da minha predilecção:

“O tempo é um momento para nunca mais”.

Esta coluna, por natureza, não é titulada. Se houvesse

uma excepção à regra seria, desta feita, encimada por um

nome, muito singelo: Zero.
..................................
Se consolação alguma tive, foi a de me ter sido dada a possibilidade de ler um brilhante texto que agradeço ao Luís Faria..
Finalmente, surge esta última peça do Luis Fernando, a repor "a legalidade" sobre o situação do Zero que, evidentemente, teve honras de reunião da Administração. Pois claro.
Leiam o texto do Luis:

A fechar




Todos querem o Zero


A situação do Zero, o gato que não pôde acompanhar a equipa do jornal que o tem como mascote para o seu novo espaço de trabalho, está ao mais alto nível na Media Nova.
A semana começou com uma reunião no gabinete do PCA, João Van-Dunem, no mínimo atípica. Um único ponto, dois interlocutores: o cronista que em nome do colectivo ergue a bandeira da sobrevivência do mimado sete vidas e o representante da Administração que tem de tomar a última das decisões.
O fim-de-semana a seguir à publicação da crónica que colocava angustiantes interrogações sobre o futuro imediato do gato mascote foi agitado o suficiente para justificar essa reunião. Dezenas de leitores e amigos de O PAÍS, tocados pelo caso, juntaram-se à onda de solidariedade que protege o bichano e avançaram com soluções, que, no caso, se resumiram 
a uma apenas: aceitam ficar com o animal 
em suas casas!
Obviamente que colocada a resposta da sociedade da maneira como se colocou, sobrevieram, de repente, preocupações novas que sugerem apreciação ponderada. O Zero não é um gato qualquer, anónimo, de vida errática, agarrado ao mau agoiro que se associa aos iguais da sua família natural.
O nome Zero pode levar erradamente a intuir um punhado de tropeços existenciais. Zero de não existência, zero de nulidade, zero de um activo baixado à condição de não ganho e não perda. Um zero de vazio, de silêncio cósmico, de não matéria, enfim, o célebre zero matemático 
à esquerda do qual nada tem valor contável.
Só que o gato Zero, na verdade, representa o contrário de tudo isso. É um nobre quadrúpede com o espaço protegido e a vida tomada como responsabilidade permanente de um colectivo de gente conscienciosa que faz todas as semanas um jornal
Na reunião com o Zero a servir de ponto único da agenda a saída foi peremptória: a mascote de O PAÍS ganhou um estatuto social de peso tal que já não há nada que o possa afastar dos seus tutores. É património inalienável do jornal e assim permanecerá, quer troveje, aconteça um simulacro do fim do mundo ou uma qualquer praga de dimensões apocalípticas.
Os novos inquilinos da Casa Amarela deram a toda a família O PAÍS garantias de que o gato será sempre bem cuidado e que os jornalistas poderão continuar a ver nele o mesmo factor de inspiração. Não lhe faltará a ração providencial de todos os dias nem o sossego de um quintal amigo.
Apesar de geograficamente distante, 
o Zero manterá o estatuto de mascote do 
jornal e aceitará que os redactores, 
os repórteres, os fotógrafos, os designers, 
o rodeiem dos mesmos mimos destes últimos três anos de intensa cumplicidade.
Há por isso festa, de novo, entre os parentes humanos do mais mediático gato que Angola possui.
Já se fazem planos para o simpático bicho. Para muitos, está na hora de o trazermos uma vez ou outra ao novo edifício para rever os seus amigos de longa data; para outros, nada melhor do que proporcionar ao Zero as noites mágicas e simultaneamente loucas de fecho, 5tas feiras, a ver se não perde o endiabrado hábito de se deitar, descontraidíssimo, sobre os teclados dos editores. E de aparecer nos lugares menos recomendados, escadas, portas, copa, provocando quedas a quem se der ao trabalho e a veleidade de o ignorar, como aconteceu com a Rojú, do sector de Fotografia, no dia em que selaram, ambos, o ódio de estimação que se prolonga até hoje.
A saída encontrada para os dias futuros 
do Zero serviu para silenciar as manifestações de dor e legítima angústia dos ex-inquilinos da Casa Amarela e vizinhança. Livramo-nos todos do peso da observação útil e contundente da ilustre directora dos Recursos Humanos do grupo Media Nova, Kénia Sandão, 
que resumiu acertadamente aquele estado 
de desânimo global e nos partiu a alma durante dias: “é injusto deixar o Zero na Casa Amarela, abandonado, ele que foi o único trabalhador 
que não chateou, não deu dores de cabeça 
à empresa”.
Os novos inquilinos da Casa Amarela deram a toda a família O PAÍS garantias de que o gato será sempre bem cuidado...


Luís Fernando

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