segunda-feira, 30 de julho de 2007

Carta a Cassio

Não sei se por todo o mundo ter ido para férias ou se foi pelo Parlamento ter fechado para descanso - coitados dos deputados, eles sacrificam-se tanto por nós que bem merecem férias –ainda não começaram os (grandes) incêndios de floresta. Por enquanto, só uns quantos. Quem sabe os incendiários também foram a banhos no Algarve congeminando novos ataques na “rentrée”. A verdade Cassio é que - especializados em adequar à nossa dimensão aquilo que outros inventaram - por aqui estamos na “silly season”. Você sabe, é aquela época tola, em que é permitido dizer os maiores disparates, fazer as maiores tolices e ninguém levar a mal. Se não houver coisa de futebol, haverá de política, se não, haverá de actor de telenovela. Mas há sempre notícia tola para encher de frivolidades as páginas dos jornais. Topa-me só esta: o Parlamento aprovou uma lei nacional sobre a questão da Interrupção Voluntária da Gravidez (aborto, em curto). Sendo nacional, é para todo o território mas, o sinhozinho Malta da ilha da Madeira, que está no poleiro do poder há 30 anos, como é do partido contrário ao do Governo, simplesmente disse que as suas finanças não pagariam os custos médicos porque, quem está doente é o primeiro ministro e não está para obedecer às regras democráticas que lhe deram o poder lá na Ilha. Ora, cá para mim, tal atitude só pode ser atribuída à época tola que atravessamos neste período de férias ou a uma insolação fora de tempo. Em breve, o arroto autonomista do governante ilhéu deixará de ocupar lugar cativo nos media, para dar lugar a outros assuntos mais veraneantes. Não havendo notícias relevantes, exceptuando as recorrentes informações sobre as temperaturas e raios ultravioletas, os jornais, rádios, televisões, blogues, internetes, conversas de café e todos os lugares onde se acumulem mais de duas pessoas ocupar-se-ão de nos entreter com afirmações, notícias, comentários mais ou menos bombásticas e... pronto...fica tudo resolvido, isto é, nada tratado porque, importante mesmo é ir para férias ainda que seja a crédito e o resto que se dane. Pelo meu lado estou livre disso uma vez que já resido comprovadamente em zona de férias. Distraído como sou, não tinha dado conta do ambiente não fosse ter começado a ouvir mais francês do que português na fila da padaria, de manhã. Eu pensava que eram turistas, até porque acabam sempre por entrar em carros com matrícula francesa mas, afinal, num momento de mais requintada atenção à pronúncia e ao vocabulário, acabei por isolar algumas palavras saídas do português como “as valisas pesadas”(as malas pesadas), “manger sardines assadas” (comer sardinhas assadas) e concluí que estes são um novo tipo de turista, não aquele que compra as férias num pacote de avião e hotel antes o que se empacota num carro atafulhado de “valises” e sacos, atravessa meia Europa para vir queimar as suas economias em sardinhadas, feijoadas e vinho tinto, verde ou de qualquer outra cor desde que seja vinho “lá da terra, s’il vous plaît”.
Mas também somos alimentados por belas pérolas embora menos sazonais mas igualmente dignas de serem guardadas em exclusivo estojo de veludo para repousarem ad eternum na galeria das grandes citações da nossa elite intelectual. Um conhecido advogado da nossa praça, que já foi bastonário da Ordem dos ditos cujos, em míngua de popularidade e de mediatização, aceitou (ele estava louco para aceitar) o convite feito por um candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa para exercer as funções de mandatário, portanto, do máximo representante dessa candidato. Uma espécie de Condolezza Rice mas ao nível português, percebes? Esse indivíduo, num assomo de vincada personalidade vertical e de bom gosto social, explicou a sua futura função na candidatura com esta frase lapidar, certamente já a caminho do pequeno e exclusivo grupo de futuros Nobel da estupidez misturada de auto convencimento : “sinto-me um ginecologista, trabalho onde espero que muitos se divirtam”. Então não é uma jóia de bom gosto? Acho que, com isto – ou com estes – já batemos de largo as gaffes do vosso presidente Lula. Pelo menos, Cassio, dá-nos o privilégio da dúvida a qual será rapidamente esclarecida por algum outro membro da “inteligentzia” lusa que, tal como o vosso Frei Betto, “subirá até aos mais altos galhos (não) do jatobá da fama revolucionária de onde distribuirá conselhos e orientações políticas” mas sim da pequena, mesquinha e doméstica prazenteirice com que perdoamos bojardas de boçalidade. Mal por mal, amigo, preferia apanhar com as bocas do Bocage, ou até mesmo de um mineirim “magina, num tô nem aí”. Deve ser da época tola, só pode!
Pasmo, Cassio, como é que este Portugal fez o que fez na história, com muito menos gente, sem televisão, sem telemóvel, sem engarrafamentos, sem Parlamento e com os castelhanos sempre em cima. Será o mesmo país?
Assim vai o reino, amigo, numa tarde estival onde o sol se alonga nas sombras e as pessoas se estendem como gatos no cimo dos muros adoptando, como leitmotive a expressão “no pasa nada” que é, como quem diz, não acontece nada e a gente se interroga se o sentido da vida é na direcção sul, pela A1 até mergulhar no resto do Atlântico antes de passar a Mediterrâneo.
Olha-se em redor e vê-se vida, é certo e também morte, doença e o coração se aperta quando o cerco é mais fechado e nos toca na pele ou na pele de quem mais gostamos. Fica-se um tanto paralisado, deixa-se sair revolta em palavras soltas, “porquê ela, porquê ele, porquê eu?” e reclama-se da injustiça de alguém de estar entre nós, mas não é só por isso, é por sentirmos que com essa perda algo de nós ficou a menos, irremediavelmente fracturado. A Morte, Cassio, para mim, é muito estranha, sou incapaz de a tornar física na figura tradicional do vulto preto com uma forquilha na mão. Também não sei dar-lhe configuração espiritual, sou impotente para a situar em contextos outros que não sejam “é o fim, acabou, fica a lembrança a dor da ausência e pouco mais do que uma pedra no cemitério.” Talvez por isso me espante (ainda) com a linguagem da Igreja Católica em determinadas ocasiões como num funeral onde, o que mais ouvi da boca de um sacerdote, foi a repetida alusão à ressurreição e ao perdão do pecado. Não entendo esta linguagem que acusa de pecador aquele que viveu ao mesmo tempo que lhe promete a ressurreição como não entendo que Bento XVI queira regressar ao latim nas práticas católicas. Latim, uma língua morta de volta à Igreja no século 21? Voltamos ao “Dominus Vobiscum” (o senhor seja convosco) e a um “fundamentalismo católico” para se contrapor ao daqueles muçulmanos que carregam um morto pelas ruas fora em passo de corrida ao mesmo tempo que gritam “Allah’u akbar” e à custa de quem ficamos a saber que “Deus é o maior”? Duvido que tais práticas conduzam à angariação e conquista de novos praticantes da fé católica, especialmente numa fase em que muito da vida de um dos grandes baluartes, Jesus Cristo, tem sido questionada com alguma paixão. Mas quem sou eu para enveredar por caminhos etéreos quando, afinal, o básico é estar vivo, partilhar e dar um pouco de si a quem está ao lado. Há dias encontrei um amigo que também precisou de umas substituições no sistema cardiovascular, colocaram-lhe três bypasses (pontes de safena como vocês aí chamam) tal como a mim, mas a diferença é que ele é sénior na matéria, foi operado fez sete anos e eu não passo de um mero iniciado. Interessante foi a conversa que se desenrolou entre nós dois, trocando experiências, conferindo sensações, e a ti, não te dói na perna de vez em quando?, ainda tens tonturas?, quantos comprimidos estás a tomar por dia? e coisas assim, assuntos altamente científicos como se notou já. Com tanta partilha e intercâmbio seria de esperar que a experiência e ensinamentos de um poderiam servir para o parceiro mas não, cada caso é um caso, cada pessoa é única e, o que serve para uma não servirá necessariamente para a outra. Fiquei um tanto desiludido quando me dei conta deste particular mas, por outro lado, suporto bem a diferença. Que adianta aconselhar um sénior com os meus truques de novato no clube? Ou ele a mim? São corpos diferentes.
Fica sim o suave gosto de aliança, o aconchego da empatia, a sensação de não estar só. É bom.
Como é bom saber-te daí desse lado do mar preocupado comigo. Não te angusties, “isto” está bem direccionado, tudo nos trinques, cada dia é mais um e não menos um.
Aceita aquele abraço com cheiro de saudade.

2 comentários:

Belinha Fernandes disse...

Olá Hélder!Vi que nomeou o meu blog e que o linkou também.Fico agradecida.Voltarei para conhecer melhor, de momento estou sem laptop, num cyberespaço onde a música está tão alta que nem consigo ouvir o que escrevo!Assim não dá...é só mesmo pra responder a um ou outro comment, ver o email...Espero ter em breve o meu laptop, já lá vai quase um mês.Até à próxima!

Helder de Sousa disse...

Belinha, bem-vinda...
vá passando por cá que eu espero pelo seu laptop para passar por aí...

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