sexta-feira, 11 de abril de 2008

Fogo que arde



Lá se vai arrastando aquela inutilidade olímpica que perdeu todo o significado e toda a glória. E, se por motivos publicitários, ainda merecesse algum respeito, o drama está em que nem por aí a chama, mais o facho, mais os patetas que a levam e a escoltam chegam ao patamar da dignidade.

Aquela parvoeira atingiu os cumes himalaicos do nonsense e só serve para meia dúzia de desocupados do mundo pegarem nuns quantos dizeres politicamente correctos e irem para a frente das câmaras de televisão. Achei uma graça contida ver aquele indivíduo já quarentão a ser levado por dois distintos cops ingleses e a declarar com o ar mais convencido do mundo que “é preciso libertar o Tibet”. Já agora - odeio esta lusitana manifestação de oportunismo mas, pronto, saiu - porque não aproveitar a presença das câmaras de televisão atracadas à porcaria da tocha (olímpica?) para reivindicar a libertação de outras zonas do planeta?. Como “aquilo” vai demorar uns tempos até chegar à China, os manifestantes profissionais poderiam fazer um contrato mais alargado e promoverem, à frente das câmaras de televisão à espera de mais umas detenções em directo, a libertação de outras regiões tipo Madeira daquele bronco do Jardim, ou do Algarve daquele pateta do Bota. Seria giro, sempre traria alguns dividendos e a televisão estaria por lá, obviamente.

Compreendo que a coisa tem a ver com a China e com os multimilionários jogos olímpicos em que participar não é o mais importante, me desculpe o senhor de Coubertin. Compreendo que se está a aproveitar a visibilidade dos Jogos para denunciar o desrespeito pelos direitos humanos na China. Compreendo que dá um jeitão aos guardiões dos bons costumes “ocidentais” a China fabricar tudo o que se compra no Ocidente a preços da chuva mas com uma lagrimazinha fugidia no olho para apaziguar a consciência desconfortável de se saber que grande percentagem das pechinchas foi feita por crianças mais ou menos escravizadas.

É um pouco como ostentar Armanis, Timberlands e outros Louis Vuiton e Chanel da Feira de Carcavelos e comentar que os ciganos são uns aldrabões. Please !!! Por favor, respeitem a inteligência alheia.

A política, que devia ser uma actividade digna e honesta tornou-se num meio de atingir fins pouco claros. E muito graças à televisão. O Tibet está a aproveitar esta excelente oportunidade para mostrar ao mundo que tem direito à independência. A China está a aproveitar esta oportunidade para dar uma iagem de modernidade e de “ocidentalismo”. Quando os jogos acabarem, voltará tudo ao mesmo lugar, a China continuará a controlar o Tibet e aquele simpático e inútil monge viajante de óculos pendurados num sorriso eterno, continuará a correr o mundo em busca já não se sabe bem de quê. Talvez angarie mas uns fiéis para o budismo mas não passará disso.

A televisão é que faz acontecer as coisas e já não são os acontecimentos que provocam a televisão. O aproveitamento mediático da passagem do facho – olímpico? – pelo mundo reduziu a zero a mística do significado histórico e multiplicou por mil o valor comercial daquele fogo fátuo. Tornou-se ridículo e sem valor esta progressão da chama que deixa um rasto de manifestações por esse mundo. As ameaças de boicote de algumas valquírias do politicamente correcto só contribuem para agudizar a curiosidade sobre a China. O Comité Olímpico, sempre atento na recolha de mais uns milhões de dólares para os seus dirigentes, não deixará de promover tudo o que for necessário para encher os estádios e os hotéis. E, as televisões, estarão lá todas não só para vender tempos de antena mas também na esperança de que aconteça alguma coisa que perturbe o bom desenrolar dos ditos jogos.

São Jogos de plástico, sem alma, sem crença. Como o foram os de 1936, quando o Hitler se serviu deles para mostrar o seu poderio ao mundo apesar dos boicotes por causa da perseguição que já fazia aos judeus.

Os Jogos Olímpicos modernos não são mais do que os jogos da hipocrisia e do faz de conta, só se salvam os atletas, aqueles que não se drogam por uma medalha.

E, a chama, símbolo já não se sabe de quê, lá estará olimpicamente acesa, fortemente guardada e protegida, para ser apagada em cerimónia de adeus lacrimoso.

1 comentário:

kambuta disse...

Helder, excelente exposição sobre o significado actual dos jogos olimpicos. Parabéns pela lucidez. Um abraço.

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