Nos meus tempos de puto radical em Luanda, a expressão "cara de múcua" queria dizer "estar chateado", "estar triste", quando muito "cara de parvo". Tás com cara de múcua. Era uma expressão ... inexpressiva. Servia para tudo o que quisesse dizer tristeza, negatividade.
Nunca me preocupei com isso, com a expressão. Naquele tempo recuado dos anos 50, Luanda era uma cidade pacata a espreguiçar-se devagarinho para cima da terra encarnada da parte alta. Lá em baixo ficava a baía, a ilha, e todas as fantasias dos miúdos daquele tempo. Éramos almirantes de grandes batalhas navais em combates ferozes contra os carapaus de gato ou contra as mabangas meio anestesiadas da poluição dos barcos. Tudo era muito simples, muito natural, até mesmo a paciência de mestre Alcino que insistia em nos incutir as técnicas de bem chinjicar os dongos da pesca e as redes do ganha-pão.
Mas tudo isso eram parentesis na minha adoração - não era admiração não - era mesmo adoração do grande embondeiro existente à beira da estrada de Catete, a estrela polar dos miúdos daquela Vila Alice nascente. Ali nos reuniamos para as grandes conquistas, ali descansávamos das grandes aventuras, ali trepávamos para prescrutar novos horizontes. Dali retirávamos as múcuas pesadas e gordas, que tinhamos de atirar para o chão para vencermos a resistência da casca e termos acesso à farinhenta fruta interior.
Na memória das papilas ainda reside aquele gosto acre que parecia fazer crescer cabelos nos dentes.
O embondeiro, imbondeiro, ou o que lhe chamem, é o elefante africano que não sai do lugar por entender que ali é que presta serviço na sua passividade de se deixar trepar e de ofertar os seus frutos. E, nisso, é mãe de colo aberto a todos os filhos.
Passados tantos anos, não esqueço aquele imbondeiro, está-me retido na retina, é o padrão do descobrimento da minha infância africana.
1 comentário:
que aprendamos então com o imbondeiro... a arte da abnegação...
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