Foi mesmo e só a ameaça de ataque a causa para o cancelamento do rali?
O cancelamento do Rali Lisboa-Dakar, por razões de segurança, vem mostrar o quanto está frágil o mundo de hoje. A facilidade com que a AlQaeda (se é que foi "ela" quem ameaçou) se movimenta em qualquer território e provoca pânicos à distância de click de compuatdor é assustadora.
Os organizadores da prova não tinham alternativa, nunca tinham pensado nessa hipótese, o cancelamento irremediável era a solução única?
Compreende-se que o gigantismo do acontecimento é de tal ordem que o mais pequeno desequilíbrio na ordem instituída provoca reacções planetárias cujas consequências para a imagem (para o negócio) são incalculáveis. Levar toda aquela gente para o deserto e ser vítima de um atentado provocaria um efeito dominó com o previsível afastamento das instituições que patrocinam o grandioso evento e levaria a Organização - leia-se, a empresa que gere os negócios da prova (ASO) à banca rota em menos de dois tempos caso se verificasse um atentado terrorista no seio do rali. Estiveram bem, em certa medida, os organizadores embora tenham revelado medo (respeito?) de ameaças. Eles lá sabem, já tiveram alguns amargos de boca em edições anteriores, mas não terão exagerado anulando tudo a 24 horas da partida? Não tinham alternativa, nem que fossem só até Marrocos e fizessem um bypass à Mauritânia para chegarem a Dakar?
Há quem pense que a decisão da ASO (a empresa promotora da prova) tem mais a ver com o "chauvinismo francês" disposto a tudo para fazer regressar o Dakar a Paris. Acho demasiado "bairrista" esta posição e pouco realista depois das despesas feitas para esta edição 2008. Os promotores da prova escolhem o local de partida em função daquilo que vão ganhar (receber em patrocínios e facilidades e respectivos retornos financeiros) mais do que por motivos patrióticos. Isso já era, já foi, talvez nos primeiros anos depois de 1979, em vida do criador Thierry Sabine.
Os prejuízos causados pela anulação da prova dificilmente serão contabilizados na totalidade.
Para a ASO deverá ser entre 25 e 50 milhões. No caso de Portugal as autarquias tocadas pelo percurso fizeram investimentos de forma a promoverem as suas regiões, as suas potencialidades turísticas, as suas riquezas, a reboque da prova. Parece-me abusivo que alguns autarcas já se ponham a falar de pedir indemnizações aos organizadores. É que nem o grande parceiro português dos franceses da organização, a Lagos Sport tem previsto qualquer cláusula nesse sentido. O “nosso” Euromilhões, patrocinador principal da corrida, quanto é que vai perder na redução do retorno de uma campanha que não vai poder chegar ao fim? Talvez não tanto como se poderá pensar . Os concorrentes, especialmente os privados, como é que vão justificar os patrocínios que receberam (ou estão para receber) para fazerem a prova, com base na imensa cobertura mediática, quando se sabe que o orçamento para "chegar ao fim" não fica em menos de 100 mil euros? Esses sim serão os mais penalizados e os mais endividados.
E a cidade de Dakar, quanto é que vai perder? E a ajuda humanitária que a prova leva aos países africanos que atravessa e não será entregue?
Sim há quem levante a questão da utilidade da existência de um acontecimento tão grande quanto este, e diga até que é escandaloso levar aos "pobres países africanos" a imagem da riqueza e da fartura europeias. Demagógico.
Há contudo quem encare esta questão do terrorismo (ou das ameaças) por um prisma diferente - enfrentá-lo. Os organizadores do raid Budapeste-Bamako mantêm firme a data de 12 deste mês para a partida, lamentam mas compreendem a decisão dos franceses da ASO e deixam aos participantes inscritos a decisão final de alinharem ou não. Sendo certo que esta aventura húngara não tem nem metade da dimensão e divulgação da outra, não deixa de ser um risco levar uns milhares de pessoas, automóveis, motos, camiões, aviões, helicópteros pelo deserto fora depois do alarme levantado pelo AlQaeda. Vão mesmo.
Não vejo que o assassínio dos 4 turistas franceses antes do fim do ano na Mauritânia seja argumento suficiente para anular todo o trabalho de milhares de pessoas durante um ano. Acho que a Organização mostrou falta de confiança nas autoridades mauritanas e muita crença nas suas compatriotas francesas, incluindo os seus serviços de informações.
No fundo de tudo isto, subsiste a questão da validade ou inutilidade de tais acontecimentos ditos desportivos que se tornaram, por causa da televisão, gigantescos espectáculos de negócios de milhões. Para participar no Dakar, paga-se tudo e mais um par de botas. É certo, ninguém obriga ninguém a ir sofrer durante 15 dias para o deserto. Quem corre por gosto não cansa. A aventura vale isso tudo, assim como subir ao topo do Everest ou chegar a pé e sozinho ao Polo Norte, ou passar quatro anos a treinar para as Olimpíadas.
Enfrentar as ameaças de terroristas devia ser a atitude a tomar, isto é, não mostrar receio e deixar o terrorismo obter vitórias sem precisar de levantar um dedo. Mas, para tanto, será necessário adaptar as atitudes ditas de tolerância e democracia ocidentais à realidade da brutalidade do terrorismo universal. Me parece que os modelos até agora adoptados chegaram ao fim dos seus prazos de validade. E, os outros, mais vigorosos, mais musculados, também não estão a dar resultados práticos contra um inimigo tentacular, sem cara nem coração.
Deslocarem a prova para a América Latina (Chile?) evitará as ameaças da AlQaeda? Duvido.
A anulação de tão grande evento como é este Lisboa-Dakar pode abrir precedentes se é que já não abriu. Um email e uns telefonemas a ameaçarem com um atentado bastam para fazer anular grandes torneios internacionais de futebol, os Jogos Olímpicos e todos os grandes ajuntamentos de pessoas caso se dê continuidade ao medo.
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