terça-feira, 1 de junho de 2010

Cacussos


O "restaurante" da Etelvina (Vina) à beira da estrada.


A Vina é uma ternura de pessoa

Cacussos, Cuca e bússola para não perdermos o norte.

A fome apertava o estômago, a sede mais secava a garganta depois de uns bons trinta e tal quilómetros de picada, com muito pó, para chegarmos a Muxima, o Manuel Ricardo e eu. Dirigimo-nos ao pomposo Restaurante-pousada que, em dia feriado, estava fechado. Um velho guarda, Mário, solícito e sem nada para guardar, dispos-se a mostrar-nos um sítio onde podiamos encontrar de comer. Muxima, um lugar de culto, visitado por dezenas/centenas de pessoas por fim-de-semana, não tem um sítio "normal" para se tomar, sequer, um copo de cerveja. Devem estar todos à espera sei lá de quê.
Mário pôs-se a caminhar ao lado do carro para nos indicar, como deve ser, sem hipótese de erro, o caminho mais directo para a nossa salvação. E foi-nos levando para a aldeia de cubatas. É aqui, disse ele. Nem era preciso, Etelvina, a patroa do lugar, veio de imediato à minha janela e antes que eu dissesse alguma coisa ela, com um sorriso mais acolhedor do que todas as grades de Cuca do mundo, atira directa ao estômago: "Tenho cacussinhos fresquinhos acabados de chegar". E, pergunto já a salivar: "Tem cerveja bem geladinha?". "Tenho, muito geladinha". Assim mesmo, com todos os "inhos" em que nós portugueses somos exímios em expressar os nossos sentimentos.
Saimos do carro apressados para a sombra da cubata-restaurante, enquanto Mammy, uma menina de 20 anos, mãe e estudante, se apressava a tirar duas latas de Cuca bem "geladinhas". Claro, tivemos todo o gosto em convidar Mário para tomar uma, coisa que fez sem exigir insistência. Mário guarda as instalações de uma empresa estatal, nem percebi bem o que era. Esteve nove anos na guerra (a guerra civil angolana), correu o norte de Angola. Desmobilizado, regressou à sua Muxima. Bebeu a Cuca saboreando cada gole, conversando sobre os problemas da vida.
Etelvina aparece a perguntar se a cerveja estava bem ao nosso gosto. Que sim, claro, a sede era tanta e calor abafado da cobertura de zinco aceleraram bem o consumo, que até parecia que o precioso líquido se evaporava.
Por volta da terceira rodada, chegou Etelvina, a Vina, com magníficos "cacussinhos" (como ela ternamente chama àqueles peixinhos do rio Kwanza), acabados de assar nas brazas do velho fogareiro que tantas fomes já deve ter matado.
Numa pausa, Vina senta-se à nossa mesa para saber se estava tudo bem, se precisavamos de mais alguma coisa ao mesmo tempo que, cordial, me perguntava como eu me chamava. Chamo-me "Helder". "Helder??", responde ela com ar incrédulo, "eu tenho um sobrinho que se chama também Helder. Agora tu ficas meu sobrinho."
Num abraço feito de subita descoberta de um familiar longínquo e improvável, selamos uma amizade para o resto da vida, trocando números de telemóvel.

3 comentários:

lili laranjo disse...

helder
uma lágrima de saudade e de muito carinho.

marita faini adonnino disse...

Para encender mi sorpresa bastome abrir el blog de Helder que exhibe el curioso restaurante africano y cocinera y cliente confundidos en un abrazo.
Por lo que cuenta Helder como llegan desangrando cansancio y sed a las puertas de este extraño y primitivo restaurante, donde sacian su sed y su hambre y tras un breve diálogo entre cocinera y cliente se confunden en un abrazo, ante ésto , tengo que decir :-Ahí, ahí se cumple la encantadora y mágica comunicación de la que preciosamente habla Karl Jaspers.
¿Quién es Helder para Vina? ¿Qué conoce Helder de Vina? ¿Qué los une? No lo saben. Pero ambos se entendieron sin explicaciones y fue obligado y espontáneo el abrazo..
¿Qué fue lo que entendió uno del otro?.Tal vez ninguno de los dos lo sepa nunca, pero sí saben que surgió un entendimiento y con él la comunicación que selló el abrazo.
Ojalá estos entendimientos se multiplicaran por el mundo para tener una humanidad menos doliente y nos fuera menos doloroso el vivir.
Marita faini Adonnino-Argentina.

Cacusso disse...

Muito difícil encontrar palavras para descrever tudo o que se sente ao ler o magnifico post.
Obrigado.

Counter II

Counter