LITO, O APANHA OSTRAS
Do outro lado da língua de areia, o Atlântico
O forno de pão em Ngola Mussungo
As ostras de Porto Amboim
Dizem que são afrodisíacas, que contêm fósforo, iodo e zinco. As ostras são manjar de uma vez por ano nos restaurantes caros do mundo. Em Porto Amboim, são o ganha-pão de Lito Bumba e de muitos outros da aldeia de Ngola Mussungo, ali ao lado de Porto Amboim.
Como a mais valiosa das riquezas, as ostras de Porto Amboim estão bem protegidas pela natureza. O acesso é difícil, desconfortável, por caminhos pedregosos e perigosos.
A paisagem em volta é agreste, poeirenta nesta época e, em Ngola Mussungo, a vida flui tranquila sem apertos de trânsito nem aflições de bichas para a gasolina. Ali, a poucos quilómetros da grande cidade, o mundo retoma a sua forma natural e nem a motorizada do agente de trânsito em dia de folga perturba o encanto do lugar. As casas estão espaçadas umas das outras, as crianças correm sem constrangimentos, os animais ignoram olimpicamente, na sua faina de perscrutar a terra, a passagem do carro.
Lito, alcunhado de Bumba pelos amigos, é um jovem de 23 anos de idade. No olhar lê-se-lhe uma paz interior que as gentes da cidade já não sabem o que isso é. A mãe é Josefa Bento.
Onde está o Lito, queremos falar com Lito, perguntávamos às pessoas abrigadas nas sombras. “É pra quê?”, alguns interrogavam. “É prás ostras”, respondíamos. “Eu posso mostrar”, retorquiam. “Não, nós queremos falar com o Lito”.
Naquele lugar, o GPS está dispensado, Lito apareceu como se tivesse ouvido as indagações dos forasteiros que éramos. Ele iria mostrar-nos o caminho para o “paraíso” que, neste caso particular, é a descer. “O Vado vai também”, disse, “ele é filho da minha irmã”.
Inevitável mesmo era não deixar de pensar no gigantesco fosso entre a imagem das ostras servidas com requintes de luxo e preços galácticos nos restaurantes do mundo e aquelas que Lito e seus colegas de trabalho retiram das águas lisas daquela espécie de laguna existente entre as fragas do continente e a língua de praia estendida por quilómetros de extensão.
Numa jangada rudimentar feita de oito envelhecidos troncos de árvore, Lito e Vado atravessam os cerca de 80 metros que separam uma margem da outra. E é do lado de lá, na língua de areia de praia, que se esconde o tesouro. Um tesouro de tal forma natural, que Lito, Vado e todos os outros dali, não suspeitam dos interesses comerciais que desperta.
Dezenas de montes de cascas de ostras, esbranquiçadas pelo sol de muitos anos, testemunham antigas razias sem controlo. Lito só sabe que aquelas ostras trazidas na jangada para venda a particulares ou até mesmo em Luanda, são o sustento da família toda.
Não pensa no valor comercial praticado nas grandes capitais. Não imagina a exclusividade que é para gentes das cidades cosmopolitas, comer seis ostras deitadas em cama de gelo moído. Por vezes vai a Luanda onde estudou, ver amigos e familiares e, vender ostras que apanhou ali no seu recanto. Por norma, não procura os clientes.
Os clientes é que vão à procura do Lito, de Ngola Mussungo. E não pensa mudar de vida, nem mesmo vai a Porto Amboim com frequência. “Talvez nas sextas-feiras”, diz ele, “levar ostras no restaurante ou em casa de pessoas.”
Quando perguntámos por quanto ele vende um saco de ostras apanhadas no seu lugar habitual, Lito, com ar compungido, deu um valor como se estivesse com receio de ser muito elevado, antecipando a negociação que se seguiria. Não revelamos, por pudor e respeito pelo negócio de todos os Litos de Ngola Mussungo, o preço pedido.
Preferimos reservar, a quem estiver interessado, o prazer da descoberta. Não vai encontrar pérolas. Naquele lugar ainda puro, as ostras não sofrem da doença que lhes provoca o crescimento da pérola. Simplesmente porque, ostra feliz, como a de Porto Amboim, não faz pérola.
hs
(texto publicado no jornal OPAÍS, edição nº 83 de 11 de Junho de 2010, página 22, sob o título AS OSTRAS DE PORTO AMBOIM).
Ler em http://www.opais.co.ao/
1 comentário:
:-)
O paraíso ainda existe.
Basta procurá-lo.
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