Kipungo
À espera do pai
Pela estrada encarnada desfilam árvores e pessoas numa quase dança coreografada pelo ritmo do sol. Ali não são as horas a marcarem a vida, a única pressa visível é fazer parar o tempo e simplificar os problemas.
Como figuras de um quadro, as pessoas movimentam-se numa paisagem deslumbrante de verde. É aquele sítio mágico que nos transporta à força de uma Natureza pródiga e amiga à espera de ser devidamente aproveitada.
E se, em tempos, ali floresceu o cheiro dos cafeeiros, agora é a banana, a mandioca e o dendem que juntam as suas forças no sustento da sobrevivência de famílias à beira da estrada, onde, nem mesmo o pesado pó levantado por uma ou outra camioneta apressada no seu destino, as demove dos lugares cativos.
Que força dirige um povo onde a escola desaparece todos os anos com as chuvas e onde, todos os anos, é levantada numa teimosia de quem espera o dia em que alguém chegue ao lugar com uma carrada de cimento e uns tijolos capazes de segurarem a escola contra os seus devaneios libertários, embora a contragosto.
O soba Adriano Chico, 60 anos de sabedoria, dá voz ao sentimento: “Precisamos de tudo, nós cá não temos escola, não temos água, precisamos de uma creche, a escola é provisória e é levada pela chuva e pelo vento, todos os anos recomeça.” Na sua casa reune os notáveis do lugar, os representantes das 700 almas registadas. Havia notícia de pessoas de fora quererem ajudar mas a prudência assente em experiências anteriores obriga a ouvir todos e, a sabedoria conduz a uma paciente espera.
Em tempos recuados promessas foram feitas sem o devido cumprimento e, o soba Adriano Chico não tem pressa de voltar a ser enganado, não que as intenções não fossem boas, só que, ao não acontecer nada que viesse mudar o que quer que fosse, o mais velho já só acredita no que vê: “Queremos um pai que nos dá a promessa, não queremos que seja o padrasto a vir dar”
Quando a força das palavras é tanta que nem corrente, torna-se difícil entender a razão pela qual a acção fica a montante. Como é que pode faltar água num sítio onde um rio desdobra o seu manto luzidio, o Loma, e uma nascente só espera por transportes que a animem?
A corrente é outra e tem de ser vencida na dolorosa via da burocracia dos gabinetes enquanto, na sua infinita paciência, o soba Adriano espera a preferência da chegada do pai com a promessa, em vez d a vinda de mais um qualquer padrasto.
E assim vai deixando correr o tempo, com uma escola teimosamente sobrevivente, num lugar onde o paraíso mora ao lado à espera de alguém que lhe abra aporta.
Hélder de Sousa
(texto escrito em 2008, alusivo a uma ida ao interior do norte angolano, a um lugar chamado Kipungo (Quipungo), para os lados de Quibaxi, Pango Aluquém, enfim, algures por aí )
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