sábado, 7 de março de 2009

Mensagem

É mais forte que eu. Tenho de falar de mim. Mas vou ver se consigo passar uma mensagem. Não tenho muito jeito para pregador (senão seria bispo numa dessas igrejas onde se ganha muito dinheiro), mas acho-me no dever social de subir ao púlpito do blogosfera. A mensagem que quero mandar é de esperança e de crença em nós próprios. Alguns dos meus leitores muito rapidamente vão reagir - mensagem de esperança a valer só mesmo a da igreja, que é aquela que traz o selo de validade. Não aceito. Uma pessoa também pode passar mensagens de esperança. Tenho um exemplo na minha própria vida. Há muitos anos, vivi uma situação de dificulades económicas, com uma família para sustentar e insegurança quanto a trabalho. Em conversa de desabafo com um amigo (por acaso, ou talvez não), na mesma situação, ele deu-me uma grande lição de esperança e de crença nas suas capacidades como indivíduo: "não te desesperes, mantém-te sempre atento ao que te rodeia, há-de surgir-te a oportunidade que te vai tirar dessa situação".

Continuamos na conversa, a última porque nunca mais voltamos a ver-nos. Ele arranjou trabalho no Porto, numa rádio, eu fui admitido na RTP. Ambos não desitimos. Recordo com saudade esse amigo que me ajudou a não perder a esperança e me ensinou a continuar a lutar mesmo em condições adversas.

Não esperava, 30 anos depois, voltar a receber uma lição, uma mensagem e sentir necessidade de a partilhar.

Faz hoje dois anos que tive uma síncope, caí inconsciente, fiquei um tempo indeterminado como "morto". Se tivesse morrido naquela altura, não teria sofrido nada. Tinha ido acordar a minha neta Iara para se levantar para a escola, como fazia todos os dias. Ia descer a escada para ir preparar o pequeno almoço dela na cozinha. Caí fulminado antes da escada. Foi um milagre não ter caído aqueles degraus todos. Despertei na ambulância, confuso, sem perceber porque estava ali. Uma enfermeira foi-me fazendo testes pelo caminho: como me chamava, que idade tinha, onde morava, ao mesmo tempo que controlava um tubinho de soro "espetado" na veia. "Apaguei-me" à entrada no hospital de primeira fase - Torres Vedras . Recordo-me de, mais tarde, um médico me perguntar como me sentia e que se lembrava de mim, da televisão. Imaginam a minha alegria!!!!! Eu nem sabia muito bem quem eu era....

O processo de recuperação da "minha vida" estava iniciado, faltavam alguns exames mais, cateterismos, para ver o entupimento ou não das veias. Estava todo entupido e, o médico, simpático e positivo, até me disse (certamente para eu rir): oh Helder, não consigo passar por lado nenhum das suas veias, você nestas condições, pelas estatísticas, devia era estar morto....!!!! Achei simpática a ideia mas não aderi. Lembro-me de lhe responder: estou nas suas mãos, vocês sabe o que é preciso fazer.

O pós-operatório de uma operação de peito aberto é prolongado no tempo e confuso no espírito. Depois de nos serrarem o esterno e manipularem (isso mesmo, retirarem o nosso coração do seu lugar e virarem-no para verem melhor), depois de nos colocarem bypasses feitos daquela veia safena que temos nas pernas, passámos a ser outra pessoa. Algo de muito vital, muito profundo, muito nosso foi mexido.

É verdade que tinha de ser assim e é assim mesmo que deve ser. O meu médico sabia muito bem o que tinha de fazer naquelas 5 horas em que teve o meu EU nas mãos. E eu nunc duvidei de que sairia dali vivo. A convalescença deste tipo de intervenção altera a nossa maneira de viver, ou, melhor, a nossa maneira de ver a vida. Passamos a priorizar outros valores, passamos a ter uma visão mais abrangente da vida e, sobretudo, passamos a perceber que a vida tem, de facto, uma dimensão ... efémera. Estás muito bem a acordar a tua neta e, no segundo seguinte, cais "morto". É esta barreira tão frágil entre estar e deixar de estar, ser e deixar de ser, que passamos a valorizar e a respeitar.

Tenho alguns amigos que viveram experiência idêntica à minha, cada um tendo reagido de forma diferente do outro. Cada caso é um caso. Mas, a passagem pela linha de fronteira marca-nos para o resto das nossas vidas.
O essencial, na minha maneira de entender, é considerar que recebemos um crédito e que temo o dever de o usar da melhor maneira.
Em vez de nos lamentar-nos pelos que nos aconteceu, temos de agir como se nada tivesse acontecido. Mais que isso, temos de agir acima do nível em que actuamos antes.
O crédito tem uma validade desconhecida. Cumpre-nos usá-la como se fosse infinita.

6 comentários:

Jeová Nunes disse...

Meu amigo Helder, li com muita atenção a sua mensagem de otimismo e esperança. Vejo claramente, que você deve usar o seu crédito com uma das heranças mais extraordinárias de nossa vida: as palavras!
Abraços.

marita faini adonnino disse...

Helder, tu mensaje no caerá en vano.
La vida es una gran aventura y Dios sólo la alquila a los valientes.
Como la parabola de los talentos, debemos aprovechar las monedas de vida en esta tierra, ya que el tesoro no es mucho.
Vivir cada momento como si fuera el último. No hacer daño, dar,siempre dar, aunque sea cada momento como si fuera el último. No hacer daño, dar,siempre dar, aunque sea una sonrisa,una palabra o un poco de nuestro tiempo.(este es uno de los más preciosos)
Siempre dar. porque no hacer ningún bien, es ya un gran mal.
Y como dijo San Juan de la Cruz "si de cada día haces un rayito de sol,al final de tu vida habrás iluminado al mundo".
Vive...en paz...en amor.
un abrazo-Marita

Jotamano disse...

Amigão: pensei que esta saga já havia sido escrita,em alguma época e em algum lugar, face à importância que ela teve na tua vida. Não me surpreende a tua reacção - é a prova de que és dos FORTES. Há muito que não entro no teu Blog. Acho que voltei na hora certa de ler coisas bonitas! O abraço de sempre. João Mano

Nuxa disse...

Quem passou por essa experiência de ouvir dizer "devia estar morto"...ou "devia estar em coma"...e só por milagre, não estar, compreende perfeitamente o que queres dizer.
É o tal bater lá em cima...
e quando nâo nos deixam entrar... voltamos com outras prioridades, com outro espírito de luta, com outro respeito pela vida....
Por isso, vivemos cada momento com a sofreguidão própria de quem não sabe se estará cá....no momento seguinte.
Benvindo ao Clube dos Sobreviventes !!!!

kambuta disse...

Helder, é verdade passaram-se dois anos e cá para mim és um exemplo de como se deve viver acima do nível anterior. Um abraço.

Belinha Fernandes disse...

Só agora li este post!Que experiência!Ainda bem que recuperou! Ainda tinha muito que fazer por cá, não era hora de ir embora!

:)

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