terça-feira, 16 de junho de 2009

O PLANETA MULTICOLOR


O PAÍS

Sexta-feira, 12 de Junho 2009



Vasto Mundo
O planeta multicolor
João Melo



Patrick Kibangou nasceu na Repúbli­ca Democrática do Congo. É, portanto, congolês. Como a maioria da popu­lação do seu país de origem, é preto. A mulher, uma médica nigeriana, é igualmente preta. Mas Kibangou também é polaco. E não é um polaco “qualquer”: nas recentes eleições eu­ropeias, foi candidato a eurodeputado pelo ex-Partido Comunista da Polónia (não sei se elegeu ou não).
A história de Patrick Kibangou é de uma simplicidade singela, mas, ao mesmo tempo, paradigmática e exemplar. Filho de uma mulher extremamente católica, emigrou para a Polónia há 25 anos, porque a sua mãe lhe disse que esse era o país do Papa João Paulo II. Adquiriu a cidadania polaca nos anos 90.
O exemplo de Kibangou é mais uma demonstração de que as fronteiras epidérmicas, tal como as físicas, comunicacionais, culturais ou financeiras, tendem a desapare­cer. O mundo está cada vez menos para purismos e fundamentalismos de qualquer tipo, por mais exaltados (e até assassinos) que alguns deles, por vezes, ainda sejam.
A verdade é que, em áreas cres­centes do mundo, está a ocorrer uma reconfiguração identitária, que poderá tornar definitivamente o planeta não apenas multicultural, mas multicolor. A excepção, por enquanto, parece ser a Ásia.
Assim, nas Américas, a emergência dos antigos deserdados – os indígenas e os negros – contribui, por fim, para a materialização da promessa de cons­trução de um Novo Mundo, datada da expansão marítima europeia, mas jamais cumprida plenamente. Não é só o exemplo de Obama. Em países como a Bolívia e outros, os indígenas come­çam a ganhar outro protagonismo. No Brasil, a luta contra a discriminação da maioria de origem africana, embora complexa e difícil, avança.
Na Europa, a emigração, sobretudo africana, árabe e latino-americana, começa a rejuvenescer as suas socie­dades, o que, aos poucos, está a ter uma tradução política e institucional visível (basta ver os ministros negros em alguns países europeus). Nesse sentido, as restrições migratórias recentes terão, a médio e longo prazo, um efeito perverso para a Europa, que corre o risco de envelhecer definitiva­mente, em todos os aspectos.
Essa tendência conta ainda com poderosos e actuantes adversários. Ocasionalmente, os mesmos surgem de onde menos se espera.É que teve de enfrentar o moçambicano branco Paulo Serôdio, que em 1984 foi para os EUA, onde se naturalizou. Apesar de ser de uma família que está em África há três gerações, foi impedido de se autodefinir, numa sala de aulas, como “afro-americano branco”.
Aliás, o nosso continente é uma das regiões onde a possibilidade de convivência epidérmica é objecto de tendências altamente contraditórias, descambando, às vezes, na violência (recorde-se o Uganda de Idi Amin ou o Zimbabwe, do Mugabe “pós.-revolucionário” e senil).
Assim, criticamos, com justiça, a persistência dos preconceitos raciais e mesmo da xenofobia nas sociedades europeias, mas somos incapazes de construir um novo modelo, antes replicamos esses preconceitos e essas práticas, apenas invertendo o sinal.
Mesmo num país como o nosso, cuja população tem uma origem diversificada, há gente demais que, nessa matéria, continua prisioneira do raciocínio dos anos 50. Entre nós, talvez Patrick Kibangou fosse consi­derado “angolano de ocasião
”.
Nota: João Melo é um dos mais respeitados comentadores angolanos. As suas opiniões, se não comandam a agenda política do país, de certeza provocam reacções fortes na sociedade civil.
Com a devida vénia, publico este comentário (inserido no semanário O PAÍS), uma marca de lucidez e de espírito aberto que tanta falta faz em Angola.

3 comentários:

asperezas disse...

Excelente reflexão!

lili laranjo disse...

Saudades de escrever aqui...
tenho um selo para si...
Beijos

Higorca Gómez Carrasco disse...

Es un placer poder leer este buen trabajo, todo el blog es de lo más interesante, intento leer cada entrada, por que cada una de ellas tiene un sabor especial un aprender, cosa muy importante para vivir, aquel que piense que todo lo sabe esta equivocado, por eso me gusta seguir este lugar, enhorabuena. Un saludo muy afectuoso, Higorca

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