As recentes eleições angolanas levantaram, muito antes de se realizarem, imensos comentários e muita intriga política, não sei se da chamada oposição - de que alguns elementos preponderantes incitaram ao voto no MPLA - ou se de forças mais ou menos ligadas aos grandes interesses económico-financeiros capazes de fazer ferver nervosos miudinhos em pouca água. O mote foi o mais básico: que as eleições podiam ser agitadas, que os diplomatas tinham que informar as autoridades sobre as suas deslocações com prazos anormalmente dilatados, que poderia haver perturbação urbana, enfim, que se iria viver um clima de terror e de insegurança total. Em complemento, houve gente a correr aos mercados para açambarcarem tudo o que havia de comer para um mínimo de duas semanas. O governo e o partido que o suporta, sabiamente do alto dos seus 33 anos de experiência de poder e de controlo de intrigas palacianas, geriu com bastante eficácia a torrente de "bocas" desestabilizadoras e assegurou um clima de segurança para os dias eleitorais.
Estou em crer que a forma como decorreu o acto eleitoral em Angola, mais do que um sinal de maturidade política, constituiu um aviso sério à chamada comunidade internacional, que tem a mania de mandar em tudo: façam o favor de não se meterem connosco, sabemos fazer o que tem de ser feito, estamos em nossa casa e em nossa que manda somos nós, venha daí o grupo de excursionistas internacionais travestidos de observadores, tipo fiscais de actos eleitorais.
Num país pobrezinho, sem meios nem recursos naturais, os tais observadores poderiam ter um papel de protagonistas e obrigarem o pobrezinho a novo acto eleitoral, caso detectassem qualquer anomalia por mais pequena que fosse. No caso de Angola, acabada de ser considerada o maior produtor africano de petróleo, qualquer "boca" que fosse dos observadores entraria a 100 e sairia a 200 dos ouvidos angolanos. Para as autoridades angolanas, é para o lado que dormem melhor. A comunidade dita internacional - ou parte dela - tem de perceber que Angola e seus governantes, por muito que sejam merecedores de críticas só faz o que entende que lhe dá proveito e não faz concessões.
A chefa italiana do grupo de observadores mandou umas bocas críticas, a observadora portuguesa Ana Gomes mandou outras para, poucas horas depois, virem a público desdizerem-se. Não perceberam aquelas alminhas que Luanda não é propriamente a sede da União Europeia e que os angolanos não são, nem serão nunca europeus, nem mesmo em termos de democracia dita ocidental.
Bastante antes do período eleitoral eu tinha percebido a inclinação do voto dos angolanos - o que eles queriam era que a guerra não voltasse mais - ainda que as discrepâncias sociais estejam demasiado acentuadas. Ao darem uma tão expressiva vitória ao partido no poder, os angolanos quiseram dizer que mais vale viver na estabilidade, ainda que socialmente desamparados, do que apostarem numa mudança e arriscarem-se a repetir dias amargos. Para lá disso, nenhum dos partidos da Oposição soube cativar o eleitorado com um programa realmente interessante. Em contrapartida, o MPLA, do cimo do seu poder imenso, mostrou serviço anunciando programas e desenvolvimento, de alojamento, de recuperação de terras, de melhoria das condições básicas de vida. Seria utópico esperar que, seis breves anos após a paz, tudo estivesse já feito e regularizado e as pessoas se sentissem plenamente realizadas na sua independência. Em eleições consideradas transparentes e correctas, os angolanos escolheram a paz, ainda que a cruzinha devesse ir para outro quadradinho que não o 12º da lista.
O problema da falta de cadernos eleitorais ou de centros de voto por montar é bem pouco merecedor de crítica, num país enorme como Angola, em fase de construção da sua identidade política.
Ninguém quis recuar a 1992. Ainda bem. Agora, Angola vai poder respirar e, nas calmas, à boa maneira africana, organizar a sua vida como muito bem entender.
A comunidade dita internacional que faça os seus trabalhos de casa para as próximas eleições.
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